segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Fortaleza

Seja forte. Seja forte. SE.J.A.F.O.R.T.E!
Este mantra, meio que macabro às vezes, acompanha todos os dias. Da hora em que acorda a hora que vai se deitar. Apenas deitar, porque dormir não é opção para quem precisa ser forte.
“Sono é para os fracos”, “O que você faz das 23 às 6h? Então, aproveite este tempo!”, “A noite é dos criativos, dos produtivos, dos campeões!” ... Frases feitas, frases soltas, clichês desgastados, mas que, todos os dias, são ditos de novo, de novo, de novo .
E que são ouvidos, absorvidos, engolidos a seco, goela abaixo se necessário, sem sequer um copo d’água para ajudar a desengasgar aquele sufoco que dá no peito. Porque é preciso ser forte. Sempre!
Não há outra opção, não há desculpas, não há saída. Você precisa ser forte!
Seja forte. Seja forte. S.E.J.A.F.O.R.T.E!
Mesmo que acorde com a sensação de que alguém roubou sua vida, mesmo que tenha certeza de que ALGUÉM roubou sua vida. Cara, esta não é a minha vida!!!.... Mesmo que pense: Vale a pena viver?
“A vida é linda”, “a vida é bela”,” a vida é ultrasupersensacional”.
A vida é sufocante, a vida é desnecessária. Cinza. Mas, mesmo escura, sem cheio, sem sabor, sem sol, angustiante, frustrante, exageradamente pesada, ela tem de ser vivida. Mesmo que na base do tarja preta, do álcool, da inércia, da anestesia.... Mesmo que se jogando de uma ponte... Você precisa ser forte!
Seja forte. Seja forte. S.E.J.A.F.O.R.T.E!
Um dia, esta loucura acaba. Um dia, não será mais necessário acordar. Um dia, poderei ser fraco, dar um basta nisto tudo, simplificar as coisas. Apenas mais um dia. Um único dia para não ser nada. Apenas isto já bastaria.
Sem dor, sem angustia, sem pensamentos, sem mantras, sem fortalezas. Ser apenas NADA. Sem força, sem medos, sem.... ser.
O corpo pesa, a cabeça pesa, a alma pesa. Ter, ser, entreter, comover, fazer, exercer, conhecer, saber.... morrer. Mas até para morrer, você precisa ser forte.
Seja forte. Seja forte. S.E.J.A.F.O.R.T.E!
Mesmo enlouquecendo, mesmo sabendo que a ironia das coisas é repetir os mesmos fracassos, acreditando que um dia será diferente.
S.E.J.A.F.O.R.T.E!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Adriana

Segundo algumas crenças, existem pessoas que vieram para este mundo pagar pecados, cumprirem missões, fazer grandes transformações... mudar as regras do jogo. Mas, a maioria mesmo, veio apenas para ser coadjuvante destas situações.
Não sou boa com religiões, afinal, acredito um pouquinho em tudo. E, quando olho a minha irmã Adriana, tenho apenas uma certeza: ela é uma daquelas que vem com um “xizinho”, bem marcado, no meio da testa. As coisas que acontecem com a minha irmã são inacreditáveis. Tão impressionantes que, na minha família, já se cunhou uma frase: “Tudo acontece com a Adriana!”.
Não que seja sua culpa, pois bem da verdade não é. Ela apenas atrai situações constrangedoras, daquelas que merecem um livro. Bonita, loura, olhos verdes. Quem a vê, nem imagina o que seu passado (e futuro) traz como histórias.
Já ficou presa sozinha em banheiro de posto de gasolina, quase foi deixada pra trás em uma excursão pra praia, já perdeu o biquíni furando onda, teve um outro rasgado em um escorrega do clube. Confundiu um estranho na rua com um ex-cunhado e gritou palavrões e outras coisas, a pleno pulmões, com o coitado. Detalhe: ele estava na rua. Ela, voltando na van da faculdade. Foi consolada pelas amigas e, ao chegar em casa, dá de cara com o cunhado lá, que jurava de pé junto que não havia saído aquele dia. Minha irmã usa óculos.
Outra boa história é a do dia de sua primeira festa sozinha no clube. Comprou uma blusa estilo “teia de aranha”, um top e uma calça combinando. Estava linda e pronta para bagunça. Bebeu, dançou, sorriu, brincou com os amigos. Foi a alma da festa, como sempre. Até o momento da fatídica dança do trenzinho.
Toda pomposa, lá foi ela. Rodavam e percorriam todo salão. E, como não poderia deixar de ser, uma pequena poça de bebida, no caminho, traiu os pés dançarinos de Adriana. Lá se vai nossa heroína ao chão.  Mas, como nada em sua vida é simples, no momento da queda, um gentil cavalheiro tenta lhe segurar pela sedutora teia de aranha... Resumo da ópera: minha irmã, de top e calça, no chão, fingindo estar desmaiada de tanta vergonha. E o moço, todo sem graça, com uma blusa rasgada nas mãos.
Adriana já enfrentou fantasma com faca de manteiga suja de requeijão, foi pra aula de espanhol com uma “bruxa” (essas tipo borboleta) grudada na testa, foi largada no mar por um banana boat... enfiou o pé no copo de cerveja de uma amiga. Entrou para a história da família.
Mas, assim como essas pessoas que nascem com um “xizinho” bem marcado no meio da testa, traz consigo a alegria e a animação que nunca serão encontrados nos outros seres. Por isso, são tão especiais. Tanto, que justificam virem com essa marquinha diferencial.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Identidade

- Ai, odeio esse lugar apertado. Sou uma modelo famosa, sabia? Não deveria me juntar a pessoazinhas comuns como vocês.
- Pois eu gosto. Aliás, acho muito aconchegante, se não fosse por vocês 4. Tenho de ficar limpando tudo sozinha, arrumando tudo sozinha. Não se cansam dessa bagunça não?
- Quer que eu acabe com a bagunça para você, sua magricela reclamona. Basta me desamarrarem desta cadeira que eu faço um serviço tão limpo e perfeito, como o que fizemos com aquele cara na semana passada.
- Eu também acho esse lugar beeeeemmm aconchegante. Aliás, é até muito sexy, sabiam? Huumm, olha só essa escrivaninha branca, essa cama macia. Dá uma vontade de deitar nela e não sair mais. Vocês entenderam, né?
- Por que fizemos aquilo? Me digam, porquê? Ele era um cara tão bom. Era pai, sabia? Assim como todos os outros. E foram tantos. Por que sempre fazemos isso? A perseguição, a tortura, a dor, a morte... As cenas se repetem de novo, e de novo e de novo... Se eles não nos tivessem trancafiado aqui, nada disso acabaria.

A porta se abre. Uma moça jovem, de uniforme branco, entra. Ela não demonstra medo. Tenta, pelo menos, pois seus olhos a traem. Atraem. Traz consigo, uma bandeja. Nela, há dois copos. Com uma voz firme, ela diz: “Tome o seu remédio, Sr. Roberto”. Pega a bandeja e sai apressada daquele horrível quarto no hospício.

O gosto é amargo. Ele nem sente. Seu olhar, vidrado, acompanha cada passo da jovem enfermeira que acaba de ir embora. “Ah, se tivéssemos apenas um momento a sós com ela....”.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Perfeição

Nunca fui fácil, muito menos santa. Aprontava todas nos quintais que vivia, comendo frutas maduras, ajeitava armadilhas pra irmãs e primos, cuidando dos meus inúmeros bichinhos.
Criança de cidade, "criada" no interior, tem um quê de liberdade aprisionada no peito e quer fazer, uma vida inteira, em poucos dias de férias. Fazer valer a pena. Tudo valia a pena.
Meu avô costumava nos deixar acordados até de madrugada, contando "causos" de lobisomens, mula- sem-cabeça e luzes estranhas que acompanhavam andarilhos notívagos. Ficamos arrepiados da cabeça aos pés e cadê a vontade de dormir? Aquele medo de fechar os olhos e sentir uma sensação estranha de ter alguém lhe espreitando no escuro?
Pra mim, era aí que começava a melhor parte. Como ninguém dormia, ele nos levava para um passeio por toda cidade, parando em mercearias, armazéns, botecos... Víamos o dia amanhecer, sentados, todos juntos, na calçada. Era simplesmente a perfeição.
Em uma dessas "aventuras", dos muitos conselhos que ele me deu, recebi o que levo comigo até hoje, pois explicava o que já havíamos passado e aonde ainda iria chegar.
Perguntei: "Vô, por que a gente faz diferente? Fica acordado todo dia pra ver o sol?".
Ele, rindo satisfeito, apenas me disse: "Porque o mais importante na vida é ter sempre uma história pra contar. Por mais que a gente tenha tudo, no final, só isso vale a pena, só isso que se tem e que se leva: histórias."
Ficamos em silêncio, a ver o sol nascer e, depois, novamente, voltamos para casa.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O danado do ap

- Bora olhar aquele ap que a gente tava falando!
- Ahhh, mas ele é tão longe. E nem tem opção de ônibus perto.
- Ué, mas tá em conta. Ou você prefere olhar um mais perto, mas que vai ser o dobro do preço.
- A questão não é grana, é praticidade! E você tem carro. Eu não.
- Mas o carro é nosso. Então, o que você prefere?
- Pode ser aquele pequeno que te falei. Tá no orçamento e é perfeito.
- Mas ele não tem garagem. Quer que o carro fique na rua?
- Então, como faz?
- É, como faz?
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- É. Bora lá olhar o ap que você falou!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sentimentos

Formavam um casal diferente. Ela, a Mentira. Ele, o Rancor. No início, viviam às mil maravilhas, sonhavam com futuro próspero e, até mesmo, com uma casa branca de cerquinha azul. Para quem via, eram perfeitos um para o outro: se ele se zangava, ela inventava uma história, ele engolia e, assim, iam seguindo juntos como o Conto das Mil e Uma Noites.

O Ciúmes, entediado com tanto comodidade, decidiu que esse relacionamento estava certinho demais. “Oras”, dizia ele, “Como posso deixar a Mentira e o Rancor seguirem juntos sem nenhum problema?”. E, bradando aos quatro ventos, buscou auxílio nas suas amigas mais próximas: a Desconfiança, a Teimosia e a Arrogância.

Faceiras e espertas, como a serpente no Jardim do Éden, as três ardilosas passaram a destilar um veneno doce e suave no dia a dia do casal. “Ele vai sair. Tem certeza que vai pra onde disse?”, sussurrava a Desconfiança bem perto do ouvido da Mentira. “Ela está querendo mandar em você com essas perguntas tolas. Não deixe!”, completava o serviço a Arrogância, em uma conversa de bar com o Rancor. E a Teimosia tratava de cuidar para que nenhum deles pudesse desconfiar do plano tramado.

Começaram a brigar. E quanto mais brigavam, mais ficavam cegos diante das artimanhas das “amigas”. Um dia, cansado de tanto acumular mágoas, o Rancor foi embora, separando-se da Mentira. O Ciúmes se divertia a valer, gargalhando e brindando sua vitória. No lugar das 3 falsas companheiras, ele mandou a Tristeza, para tornar cada vez mais longos os dias e o sofrimento dos dois apaixonados.

A Esperança, ao saber de toda história, resolveu se meter na conversa e pediu ajuda ao Tempo. “Isso não pode ficar assim. Você é o único que consegue resolver todos os problemas, então, me ajude a resolver este!”, insistiu a última que morre. Ele, com sua enorme paciência, observou a Esperança de alto a baixo, com seu olhar de compaixão, e entendeu que ela não ia desistir nunca desta ideia.

“Posso até ajudar”, disse o senhor da vida. “Mas como deixar a Mentira e o Rancor seguirem juntos sem nenhuma transformação? Assim, nunca darão certo juntos. É preciso mudança, pois em tudo se faz necessária a evolução!”. A Esperança, esperta como ela só, respondeu apenas “deixa comigo, faça só a sua parte” e saiu ligeira para procurar seu grande companheiro, o Amor.

Encontrou ele, dormindo tranquilo, debaixo de uma árvore próxima a casa da Mentira. Acordou-o com todo o cuidado e contou ao seu amigo todo a história. “A Paixão já havia me dito o que aconteceu. E, mesmo sendo tempestuosa e passageira como sempre, me surpreendeu ao pedir a minha ajuda. Agora, vendo você e o Tempo nesta empreitada, como posso dizer não?”, finalizou o Amor e deu um grande abraço na Esperança.

Foram dias e dias de trabalho muito árduo. Primeiro, para convencer o Rancor que as mágoas acumuladas não lhe traziam forças, apenas cegueira. Depois, para conversar a Mentira que por mais que seus contos trouxessem todo um charme a sua pessoa, eles também escondiam suas inseguranças e medos, exatamente os pontos fracos explorados pela Desconfiança, Teimosia e Arrogância.

Juntos, o Tempo, o Amor e a Esperança conseguiram transformar o Rancor em Compaixão e a Mentira em Sinceridade. O casal voltou novamente a ficar junto, agora sempre vigiados de perto pelo Amor, que adorava dormir debaixo da árvore próxima a casa deles. A Esperança e o Tempo sempre passavam por lá e foram até mesmo convidados para serem padrinhos da primeira filha desta união tão duradoura: a Compreensão. E viveram assim, felizes para sempre, naquela tão sonhada casa branca de cerquinha azul.