terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sentimentos

Formavam um casal diferente. Ela, a Mentira. Ele, o Rancor. No início, viviam às mil maravilhas, sonhavam com futuro próspero e, até mesmo, com uma casa branca de cerquinha azul. Para quem via, eram perfeitos um para o outro: se ele se zangava, ela inventava uma história, ele engolia e, assim, iam seguindo juntos como o Conto das Mil e Uma Noites.

O Ciúmes, entediado com tanto comodidade, decidiu que esse relacionamento estava certinho demais. “Oras”, dizia ele, “Como posso deixar a Mentira e o Rancor seguirem juntos sem nenhum problema?”. E, bradando aos quatro ventos, buscou auxílio nas suas amigas mais próximas: a Desconfiança, a Teimosia e a Arrogância.

Faceiras e espertas, como a serpente no Jardim do Éden, as três ardilosas passaram a destilar um veneno doce e suave no dia a dia do casal. “Ele vai sair. Tem certeza que vai pra onde disse?”, sussurrava a Desconfiança bem perto do ouvido da Mentira. “Ela está querendo mandar em você com essas perguntas tolas. Não deixe!”, completava o serviço a Arrogância, em uma conversa de bar com o Rancor. E a Teimosia tratava de cuidar para que nenhum deles pudesse desconfiar do plano tramado.

Começaram a brigar. E quanto mais brigavam, mais ficavam cegos diante das artimanhas das “amigas”. Um dia, cansado de tanto acumular mágoas, o Rancor foi embora, separando-se da Mentira. O Ciúmes se divertia a valer, gargalhando e brindando sua vitória. No lugar das 3 falsas companheiras, ele mandou a Tristeza, para tornar cada vez mais longos os dias e o sofrimento dos dois apaixonados.

A Esperança, ao saber de toda história, resolveu se meter na conversa e pediu ajuda ao Tempo. “Isso não pode ficar assim. Você é o único que consegue resolver todos os problemas, então, me ajude a resolver este!”, insistiu a última que morre. Ele, com sua enorme paciência, observou a Esperança de alto a baixo, com seu olhar de compaixão, e entendeu que ela não ia desistir nunca desta ideia.

“Posso até ajudar”, disse o senhor da vida. “Mas como deixar a Mentira e o Rancor seguirem juntos sem nenhuma transformação? Assim, nunca darão certo juntos. É preciso mudança, pois em tudo se faz necessária a evolução!”. A Esperança, esperta como ela só, respondeu apenas “deixa comigo, faça só a sua parte” e saiu ligeira para procurar seu grande companheiro, o Amor.

Encontrou ele, dormindo tranquilo, debaixo de uma árvore próxima a casa da Mentira. Acordou-o com todo o cuidado e contou ao seu amigo todo a história. “A Paixão já havia me dito o que aconteceu. E, mesmo sendo tempestuosa e passageira como sempre, me surpreendeu ao pedir a minha ajuda. Agora, vendo você e o Tempo nesta empreitada, como posso dizer não?”, finalizou o Amor e deu um grande abraço na Esperança.

Foram dias e dias de trabalho muito árduo. Primeiro, para convencer o Rancor que as mágoas acumuladas não lhe traziam forças, apenas cegueira. Depois, para conversar a Mentira que por mais que seus contos trouxessem todo um charme a sua pessoa, eles também escondiam suas inseguranças e medos, exatamente os pontos fracos explorados pela Desconfiança, Teimosia e Arrogância.

Juntos, o Tempo, o Amor e a Esperança conseguiram transformar o Rancor em Compaixão e a Mentira em Sinceridade. O casal voltou novamente a ficar junto, agora sempre vigiados de perto pelo Amor, que adorava dormir debaixo da árvore próxima a casa deles. A Esperança e o Tempo sempre passavam por lá e foram até mesmo convidados para serem padrinhos da primeira filha desta união tão duradoura: a Compreensão. E viveram assim, felizes para sempre, naquela tão sonhada casa branca de cerquinha azul.