terça-feira, 27 de julho de 2010

Perfeição

Nunca fui fácil, muito menos santa. Aprontava todas nos quintais que vivia, comendo frutas maduras, ajeitava armadilhas pra irmãs e primos, cuidando dos meus inúmeros bichinhos.
Criança de cidade, "criada" no interior, tem um quê de liberdade aprisionada no peito e quer fazer, uma vida inteira, em poucos dias de férias. Fazer valer a pena. Tudo valia a pena.
Meu avô costumava nos deixar acordados até de madrugada, contando "causos" de lobisomens, mula- sem-cabeça e luzes estranhas que acompanhavam andarilhos notívagos. Ficamos arrepiados da cabeça aos pés e cadê a vontade de dormir? Aquele medo de fechar os olhos e sentir uma sensação estranha de ter alguém lhe espreitando no escuro?
Pra mim, era aí que começava a melhor parte. Como ninguém dormia, ele nos levava para um passeio por toda cidade, parando em mercearias, armazéns, botecos... Víamos o dia amanhecer, sentados, todos juntos, na calçada. Era simplesmente a perfeição.
Em uma dessas "aventuras", dos muitos conselhos que ele me deu, recebi o que levo comigo até hoje, pois explicava o que já havíamos passado e aonde ainda iria chegar.
Perguntei: "Vô, por que a gente faz diferente? Fica acordado todo dia pra ver o sol?".
Ele, rindo satisfeito, apenas me disse: "Porque o mais importante na vida é ter sempre uma história pra contar. Por mais que a gente tenha tudo, no final, só isso vale a pena, só isso que se tem e que se leva: histórias."
Ficamos em silêncio, a ver o sol nascer e, depois, novamente, voltamos para casa.