quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Adriana

Segundo algumas crenças, existem pessoas que vieram para este mundo pagar pecados, cumprirem missões, fazer grandes transformações... mudar as regras do jogo. Mas, a maioria mesmo, veio apenas para ser coadjuvante destas situações.
Não sou boa com religiões, afinal, acredito um pouquinho em tudo. E, quando olho a minha irmã Adriana, tenho apenas uma certeza: ela é uma daquelas que vem com um “xizinho”, bem marcado, no meio da testa. As coisas que acontecem com a minha irmã são inacreditáveis. Tão impressionantes que, na minha família, já se cunhou uma frase: “Tudo acontece com a Adriana!”.
Não que seja sua culpa, pois bem da verdade não é. Ela apenas atrai situações constrangedoras, daquelas que merecem um livro. Bonita, loura, olhos verdes. Quem a vê, nem imagina o que seu passado (e futuro) traz como histórias.
Já ficou presa sozinha em banheiro de posto de gasolina, quase foi deixada pra trás em uma excursão pra praia, já perdeu o biquíni furando onda, teve um outro rasgado em um escorrega do clube. Confundiu um estranho na rua com um ex-cunhado e gritou palavrões e outras coisas, a pleno pulmões, com o coitado. Detalhe: ele estava na rua. Ela, voltando na van da faculdade. Foi consolada pelas amigas e, ao chegar em casa, dá de cara com o cunhado lá, que jurava de pé junto que não havia saído aquele dia. Minha irmã usa óculos.
Outra boa história é a do dia de sua primeira festa sozinha no clube. Comprou uma blusa estilo “teia de aranha”, um top e uma calça combinando. Estava linda e pronta para bagunça. Bebeu, dançou, sorriu, brincou com os amigos. Foi a alma da festa, como sempre. Até o momento da fatídica dança do trenzinho.
Toda pomposa, lá foi ela. Rodavam e percorriam todo salão. E, como não poderia deixar de ser, uma pequena poça de bebida, no caminho, traiu os pés dançarinos de Adriana. Lá se vai nossa heroína ao chão.  Mas, como nada em sua vida é simples, no momento da queda, um gentil cavalheiro tenta lhe segurar pela sedutora teia de aranha... Resumo da ópera: minha irmã, de top e calça, no chão, fingindo estar desmaiada de tanta vergonha. E o moço, todo sem graça, com uma blusa rasgada nas mãos.
Adriana já enfrentou fantasma com faca de manteiga suja de requeijão, foi pra aula de espanhol com uma “bruxa” (essas tipo borboleta) grudada na testa, foi largada no mar por um banana boat... enfiou o pé no copo de cerveja de uma amiga. Entrou para a história da família.
Mas, assim como essas pessoas que nascem com um “xizinho” bem marcado no meio da testa, traz consigo a alegria e a animação que nunca serão encontrados nos outros seres. Por isso, são tão especiais. Tanto, que justificam virem com essa marquinha diferencial.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Identidade

- Ai, odeio esse lugar apertado. Sou uma modelo famosa, sabia? Não deveria me juntar a pessoazinhas comuns como vocês.
- Pois eu gosto. Aliás, acho muito aconchegante, se não fosse por vocês 4. Tenho de ficar limpando tudo sozinha, arrumando tudo sozinha. Não se cansam dessa bagunça não?
- Quer que eu acabe com a bagunça para você, sua magricela reclamona. Basta me desamarrarem desta cadeira que eu faço um serviço tão limpo e perfeito, como o que fizemos com aquele cara na semana passada.
- Eu também acho esse lugar beeeeemmm aconchegante. Aliás, é até muito sexy, sabiam? Huumm, olha só essa escrivaninha branca, essa cama macia. Dá uma vontade de deitar nela e não sair mais. Vocês entenderam, né?
- Por que fizemos aquilo? Me digam, porquê? Ele era um cara tão bom. Era pai, sabia? Assim como todos os outros. E foram tantos. Por que sempre fazemos isso? A perseguição, a tortura, a dor, a morte... As cenas se repetem de novo, e de novo e de novo... Se eles não nos tivessem trancafiado aqui, nada disso acabaria.

A porta se abre. Uma moça jovem, de uniforme branco, entra. Ela não demonstra medo. Tenta, pelo menos, pois seus olhos a traem. Atraem. Traz consigo, uma bandeja. Nela, há dois copos. Com uma voz firme, ela diz: “Tome o seu remédio, Sr. Roberto”. Pega a bandeja e sai apressada daquele horrível quarto no hospício.

O gosto é amargo. Ele nem sente. Seu olhar, vidrado, acompanha cada passo da jovem enfermeira que acaba de ir embora. “Ah, se tivéssemos apenas um momento a sós com ela....”.